Juracir Araújo (E) conseguiu trazer a mãe,
Maria
das Vitórias, graças aos voluntários
que empurram as cadeiras de roda
(Foto:
Luka Santos / G1)
O espetáculo da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, encenado no distrito de
Fazenda Nova,
no Brejo da Madre de
Deus, Agreste de Pernambuco, é conhecido por sua grandiosidade. Cenários
ricos em detalhes, iluminação pensada para dar mais realismo, efeitos sonoros
para envolverem o público. A história que emociona tantas pessoas há mais de 40
anos também é acessível para aqueles que não podem escutar os diálogos, enxergar
a movimentação da cena ou percorrer os nove cenários. Esse trabalho de inclusão
é feito por voluntários, muitas vezes moradores da região, que entendem a
importância do papel que desempenham.
A intérprete tradutora da Língua Brasileira de Sinais (Libras) Jaqueline
Martins se reveza com o também voluntário Marcos Ribeiro para levar aos surdos
que viajam até Nova Jerusalém a compreensão dos sons e diálogos que compõem a
Paixão de Cristo. Posicionados sempre próximos ao palco, eles contam com o apoio
de uma lanterna, que ilumina as mãos de forma que seja possível enxergar os
sinais e alternar a atenção entre a cena e o tradutor.
Filha de surdos, Jaqueline abraça a causa e ressalta a importância de um
trabalho como esse. “Muitos viam o espetáculo, a grandiosidade dos cenários, mas
não compreendiam o que os atores diziam. O intérprete escuta os diálogos e vai
traduzindo, é natural. A gente que fala [Libras] no dia a dia, quando se dá
conta, as mãos já estão indo e vindo”, conta a intérprete.
Publicitário Milton Carvalho ressalta
importância
da audiodescrição na compreensão
da peça (Foto: Luka Santos /
G1)
Surdo, o designer Tiago Albuquerque é um daqueles que já assistira à Paixão,
observando principalmente os cenários. “Visualmente, é um espetáculo muito
bonito. Eu vim quando mais novo, mas agora fica mais claro com os tradutores”,
explica. O ator Alan Godinho veio de São Paulo para Pernambuco especialmente para ver a Paixão de
Cristo de Nova Jerusalém, com os tradutores de Libras. “É um teatro muito rico,
claro que estou gostando, aproveitando essa oportunidade de assistir com os
tradutores. É famoso no Brasil inteiro. A questão da acessibilidade é muito
importante para nós”, ressalta Godinho.
Audiodescrição
Batalhador desde muito jovem, o
publicitário Milton Carvalho anda com seu cão-guia por todos os lugares,
inclusive pela Paixão de Cristo. Apaixonado por cultura, Carvalho não perdeu a
oportunidade de ir até Fazenda Nova para conhecer melhor a peça através do
trabalho das audiodescritoras. “Isso é algo espetacular, poder ter a dimensão
das coisas. Sem a audiodescrição, eu não conseguiria compreender, ela faz com
que o espetáculo seja para nós, que não podemos vê-lo, tão normal quanto para
qualquer outra pessoa”, afirma o publicitário.
Atuando em diversas áreas, as voluntárias Sílvia Farias, Liliana Tavares e
Thais Lima têm em comum a função de descrever a montagem, para aqueles que não
conseguem ver o que está ali. “A gente recebe um DVD e o roteiro do espetáculo.
Assistimos e então fazemos o nosso roteiro de audiodescrição, que contém desde
cenários, figurinos, atores, movimentação em cena e até mesmo o colega que está
ao lado”, explica Liliana.
O procedimento é relativamente simples. Andando em grupos, elas observam tudo
em volta e vão descrevendo. “A gente busca ambientar, dizer quantas pessoas
estão ao redor, se está nublado, se alguém chegou, como estão vestidos, quem
está sorrindo, quem está chorando”, exemplifica Thaís, ressaltando que não se
pode ficar preso ao script. “O que a gente busca é que eles sejam incluídos, ou
seja, rirem quando todo mundo rir, chorarem quando todo mundo chorar”, diz.
Trio responsável pela audiodescrição da Paixão de
Nova Jerusalém (Foto: Luka Santos / G1)
Sílvia lembra ainda que a audiodescrição não incomoda ninguém, já que os
deficientes visuais estão com fones nos ouvidos e elas falam apenas no
microfone. "Conversar com eles ao final é muito importante, para saber se
conseguimos mesmo passar as imagens do que estava acontecendo em cena. É a
melhor parte o trabalho”, acredita. “A audiodescrição pode e deve estar presente
não só na área cultural como na jurídica, na empresarial. Eu trabalho com
cultura porque é do que sou mais próxima, conheço mais para poder falar”,
explica Liliana.
Dificuldade de locomoção
A cidade-teatro tem cem mil
metros quadrados e nove cenários. Embora não tenha muitos degraus, a locomoção
com cadeiras de rodas não é fácil, ainda mais com inclinações muito acentuadas.
Há mais de vinte anos, segundo o presidente da Sociedade Teatral de Fazenda Nova
(STFN), Robinson Pacheco, há pessoas para empurrar as cadeiras de roda durante o
espetáculo.
Um dos voluntários é o enfermeiro Murilo Silva. Morando em Fazenda Nova, há
quatro anos ele mostra a importância da conscientização. “A gente se sente bem
em ajudar o próximo. Incluir as pessoas dentro de um espetáculo é algo muito
importante, todos devem ter as mesmas oportunidades”, acredita Murilo.
Aos 86 anos, Maria das Vitórias Araújo achava que não poderia mais assistir
ao espetáculo de Nova Jerusalém. “Quando vim da outra vez, ainda era no meio do
mato. Sabia que andava muito. Era muito corrido, eu sabia que não ia aguentar
tantas horas e andar tanto aqui”, admite. “Ia ser muito complicado trazê-la se
não tivesse a ajuda deles para empurrar”, acredita a filha, Juracir Araújo.
Há cinco anos, as donas de casa Lúcia Nascimento e Daniela Santos trabalham
como voluntárias empurrando as cadeiras através dos cenários. Embora seja um
pouco cansativo, ambas afirmam que vale a pena. “É tão divertido, você conhece
cada dia uma pessoa diferente, que te dá cada lição de vida. Enquanto a gente
está aqui não sente o cansaço, só depois mesmo”, explica Lúcia.
Cabe a Marcos Ribeiro traduzir em Libras o que está
sendo dito nos diálogos ao longo da peça
(Foto: Luka Santos / G1)
O serviço de audiodescrição e de tradução em Libras foi fruto de uma parceria
com o governo do estado e oferecido em apenas um dia desta temporada. A questão,
explica o presidente da STFN, não é por ser caro, mas sim por uma questão de
qualidade de serviço. “Você não tem como ter o teatro com dez mil pessoas e dar
a atenção necessária, o espaço necessário para os grupos”, explica Robinson.
Paixão de Cristo
O espetáculo deste ano fica em cartaz
até o sábado (30). Com direção de Carlos Reis e Lúcio Lombardi, o espetáculo que
conta os últimos dias de Jesus tem mais de 500 atores e figurantes. No elenco,
estão os atores globais Marcos Pasquim,
interpretando o rei Herodes; Carol Castro dando vida a Maria Madalena, e Carlos
Casagrande fazendo o papel de Pilatos. Entre os pernambucanos, José Barbosa faz
Jesus pela segunda vez e Luciana Lyra interpreta Maria.
Quem sai do Recife de carro ou de ônibus tem duas opções: a BR-232 e a PE-90.
Para quem vem de outros estados, há as BRs 316, 116, 304, 101, 235, 110 e 104.
Os ingressos estão à venda no estande da Paixão de Cristo, localizado no 1°
andar do Shopping Center Recife, próximo aos cinemas. Também é possível comprar
nas bilheterias da cidade-teatro e no escritório de Nova Jerusalém, pelo
telefone (81) 3732.1129. Os ingressos variam de R$ 60 a R$ 90 e podendo ser
pagos em até 12 vezes no cartão de crédito, se comprados no site oficial.
Idosos que não aguentam ficar muitas horas em pé
também assistem ao espetáculo em cadeiras de rodas
(Foto: Luka Santos /
G1)
Serviço:
Paixão de Cristo de Nova Jerusalém
De 22 a 30
de março
Ingressos: R$ 60 a R$ 90