Projeto Som da Pele deu origem ao grupo Batuqueiros do Silêncio.
Mestre
Batman usa lâmpadas de tamanhos e cores variadas para reger.
Quem passa pela Rua da Moeda, endereço movimentado no Bairro do Recife, onde
nasceu a capital pernambucana, ouve de longe a batucada das alfaias, que são o
coração do maracatu de baque virado. Mas esse não é um grupo comum de
batuqueiros: eles são alunos de um curso de percussão para surdos. É o projeto O
Som da Pele, que existe há quatro anos.
O autor da ideia é mestre Batman,
percussionista que percebeu que a música podia fazer algo para melhorar a vida
das pessoas com algum tipo de deficiência e criou o projeto depois de ver o
filme "O resto é silêncio", de Paulo Halm, em 2008, que mostra a curiosidade que
a pessoa surda tem em relação às sensações que a música provoca. "Eu já havia
realizado alguns trabalhos de inclusão, sempre utilizando a música. Com cegos,
com crianças com síndrome de Down, com pessoas em tratamento psiquiátrico. A
partir desse filme, percebi que eu também devia explorar essa curiosidade que
alguns surdos têm em relação às sensações para nós ouvintes", comenta.

Percussionistas se orientam por cores e pela
intensidade
da luz para seguir o ritmo (Foto: Marjones Pinheiro / TV
Globo)
Para trabalhar com os surdos, mestre Batman buscou meios para se comunicar
com eles e acabou desenvolvendo uma dinâmica de percepção corporal, uma espécie
de alfabeto musical visual, atribuindo sinais às figuras de tempo – técnica
muito usada por quem estuda música. Ele criou também um metrônomo: apesar do
nome estranho, o aparelho é simples e funciona com quatro lâmpadas de diferentes
cores e tamanhos. São elas que determinam o ritmo da música, como um maestro.
"Com o tamanho, maiores e menores, a gente trabalha as figuras de tempo. As
cores entram para mostrar uma sobra de tempo ou trabalhar a pausa musical. A cor
trabalha a intensidade de som. Quando acende a branca, eles sabem que têm que
tocar forte. A verde, eles sabem que têm que abafar o som do tambor. Apenas com
essa combinação, é possível tocar frevo e ciranda, entre outros ritmos. Com as
lâmpadas vermelhas, a gente consegue tocar ritmos mais complexos, como o
maracatu", explica.

Mestre Batman é o criador dos Batuqueiros
do
Silêncio (Foto: Marjones Pinheiro / TV Globo)
Capaz e feliz
Uma das alunas é Karina Guimarães, que
trabalha como digitadora, e sempre que via alguém tocando nas ladeiras do Sítio
Histórico de Olinda, ficava imaginando como seria fazer parte de um grupo,
produzindo aquele som que proporcionava tanta alegria e reunia gente em volta.
Hoje, ela sabe exatamente o que é isso. "Quando eu via os maracatus, tinha essa
esperança de um dia tocar com eles, mas não me sentia capaz. Hoje, não; me sinto
capaz, mais leve. Isso me traz felicidade. Acredito que isso me traz um
desenvolvimento e a gente pode enxergar igualdade. Ou seja, a inclusão surdo e
ouvinte é por igual, através da vibração que a gente sente por isso", conta
Karina.
Quem ajuda a entender o que dizem os batuqueiros é a intérprete Jaqueline
Martins, que trabalha com a Linguagem Brasileira de Sinais (Libras). Jaqueline
traduziu como se sente Iara Sena: a vendedora de uma loja de perfumes em um dos
shoppings do Recife não ouve e enxerga com muita dificuldade, mas não tira o
sorriso do rosto. Acontece que nem sempre foi assim: Iara diz que era triste,
não gostava de interagir com os outros, mas, depois que entrou para o maracatu,
a mudança começou. "Eu tive coragem de participar, de bater os tambores. fui
tentando, perseverando e fui vendo que surdo também é capaz. Eu sou surda e
tenho baixa visão, só enxergo bem de um olho, mas me sinto capaz. E imagino: o
surdo-cego também é capaz. Ele vai transformando isso dentro dele e trazendo o
sonho para sua vida. Traz calmaria, traz felicidade... É igual a um sonho e
através do Som da Pele eu consegui isso. Isso melhorou muito a minha vida e me
traz muita felicidade", comemora.
Durante um dos ensaios, os Batuqueiros do Silêncio - nome do maracatu nascido
do projeto O Som da Pele - receberam a visita surpresa do percussionista Naná
Vasconcelos, ganhador do Grammy Latino em 2011 e homenageado do carnaval do
Recife este ano. Ele ficou encantado com o grupo: "Música é isso. Música vem do
silêncio ao grito, mas é de corpo e alma, e isso é uma prova que sai daqui de
dentro para fora", pontua Naná.

Naná Vasconcelos visita o grupo: "Música é de corpo
e alma" (Foto: Marjones Pinheiro / TV Globo)
Chamando a atenção
Faltando pouco para o carnaval, os
ensaios dos Batuqueiros do Silêncio também passam a acontecer pelas ruas onde o
maracatu desfila. Quando muda o lugar, é preciso mudar a técnica: mestre Batman
usa lanternas no lugar das lâmpadas. São duas lanternas que indicam o braço que
deve ser usado na hora de tocar.
Turistas e moradores param ao avistar o grupo, tiram fotos e se espantam com
os sons produzidos por quem conhece tão bem o silêncio. O músico carioca Mauro
Santos, que visitava o Bairro do Recife e parou para registrar o maracatu, quase
não acreditou quando soube que, no grupo, exceto o mestre, ninguém ouvia.
“Surdos? Só surdos? Brincadeira, hein, muito legal... Não dá para perceber, eles
estão tocando bem à beça, no tempo, no ritmo", comenta.
Sem apoio financeiro ou qualquer tipo de incentivo, os Batuqueiros do
Silêncio são dedicados. Eles estudam, ensaiam e já fazem apresentações públicas.
O desfile oficial acontece na segunda-feira de carnaval. O grupo sai do Bairro
do Recife com
destino ao Pátio do Terço, onde acontece a Noite dos Tambores Silenciosos,
tradicional encontro de nações de maracatu, chamando a atenção por onde passam.
Todos ficam impressionados com o grupo que, sem ouvir um acorde, não perde o
ritmo. Eles já descobriram que música a gente ouve mesmo é com o coração.
FONTE: http://g1.globo.com/pernambuco/carnaval/2013/noticia/2013/02/batuqueiros-surdos-chamam-atencao-ao-tocar-em-maracatu-no-recife.html
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